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Se liberdade é, para alguns teóricos como Friedrich von Hayek, a ausência da coação, para os gatos a liberdade tem um conceito positivo, conceito assimilado pelo filósofo Isaiah Berlin: o livre exercício do querer. O desejo felino é uma espécie de nosso superego: é tudo que queríamos ser, mas nosso ego nos tolhe. Como o gato é movido pelo instinto, ele não tem máscaras ou disfarces, ele se dá o direito que muito nos faz inveja: o de mover conforme seus humores. Alguém já tentou pegar um gato e colocá-lo no colo, no sofá, ou na cama contra sua vontade? Acariciá-lo numa hora em que ele não deseja sequer ser tocado por você? Ele simplesmente levanta-se dali e vai embora, sem miar, sem questionar e o que é pior, sem olhar para trás.
Se conseguíssemos enxergar que nossos filhos adolescentes são assim, como os gatos, talvez os entenderíamos e os respeitaríamos mais. Entender a individualidade de cada gato é o primeiro passo para aprendermos a respeitar as diferenças, os humores de cada um de nós. Camille Saint-Saens, o compositor, escreveu num texto de 1914 (“Au Courant de la Vie”) que o gato é injustamente caluniado pelo homem, pois este jamais o perdoa pelo seu orgulho; qualquer gato sente que está além de si mesmo se forçado a se submeter a um ser superior apenas para ganhar sua afeição. Um gato jamais dá sua amizade incondicionalmente a qualquer ser humano. Por outro lado, continua o compositor francês: nada é mais gratificante e prazeroso do que receber uma demonstração de carinho e fidelidade de um gato, porém, este só dará a quem realmente o merece.
Isso me faz lembrar meu gato branco quando chegou em casa, ainda com três meses de idade, mas dono de uma personalidade geniosa sem igual. Já fazia muitos anos que não tinha um gato em casa e, naquele momento, compartilhava a companhia de dois cachorros que, sem dúvida alguma, me consideravam o “macho alfa”. Achei que poderia fazer com que o pequeno gato fosse domado pelo macho alfa com a mesma facilidade dos cães. A cada dia nosso relacionamento se tornava mais tenso. Meus colegas de trabalho notavam em mim, a cada dia, uma unhada nova. Na época minha então namorada chegou até a suspeitar se o autor das unhadas era realmente o pequeno felino de casa (ou...). O processo foi doloroso (para mim) e demorado, mas ao final eu posso afirmar, com orgulho, que consegui ser finalmente domado por ele e não o contrário.
Ele não era o “macho alfa”, ele era apenas um felino que fez questão de deixar claro para mim que a individualidade dele deveria ser respeitada e que eu, ser superior, não estava acima dele (em nada). Seu orgulho era mais que justo, era o orgulho da prevalência da virtude sobre a estupidez humana.
M. Dupont White vive em Paris com seus gatos. O texto foi traduzido por Marcelo Batuíra da C. Losso Pedroso.»